Diálogo entre movimentês e computês

Somos uma cooperativa e desenvolvemos tecnologia em diálogo com movimentos sociais populares, redes e instituições de pesquisa.

26 de fevereiro de 2024Em julho de 2023 recebemos um convite para participar do encontro Cooperativismo de Plataforma: Quais as Políticas Públicas Possíveis?, promovido pela Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária (SENAES/MTE), em conjunto com o laboratório de pesquisa DigiLabour, Fundação Rosa Luxemburgo e Observatório do Cooperativismo de Plataforma. Esse relato busca sistematizar as trocas realizadas no âmbito da nossa participação no evento, além de compartilhar os desdobramentos do assunto que pudemos acompanhar até o momento presente. A Cooperativa EITA no debate sobre Cooperativismo de Plataforma Em meados de 2020 um grupo de trabalhadoras e trabalhadores que buscavam o desenvolvimento de uma plataforma como ferramenta para um serviço cooperado de entregadoras e entregadores. Naquele momento, o diálogo focou nos desafios inerentes ao desenvolvimento de uma plataforma de tal porte que demanda uma estrutura de suporte e manutenção. A organização do coletivo como uma cooperativa era uma intenção clara, ainda que não esclarecida a complexidade de um modelo de negócios que fosse capaz de considerar, na formação laboral da cooperativa, os trabalhadores e trabalhadoras responsáveis pela sustentação e manutenção da ferramenta tecnológica. O diálogo foi muito interessante, mas não avançou para um trabalho da EITA com o grupo, que seguiu com os esforços de pesquisa para estruturação de uma ferramenta e base organizacional para a realização do projeto.  Em 2021, a EITA participou de uma etapa da série de encontros Cooperativismo de plataforma: uma opção possível?, realizado pelo SESC Avenida Paulista. Estivemos no encontro Pagando o justo pelos produtos dos povos e comunidades tradicionais brasileiros, onde apresentamos o aplicativo Castanhadora, criado pelo Instituto Internacional de Educação no Brasil. Já em 2022, o desafio retornou para o horizonte da EITA. Por um lado, o coletivo Señoritas Courier nos procurou para dialogar sobre uma plataforma para gerir seu trabalho de entregas com bicicletas. Por outro, participamos de uma mesa de debate sobre Tecnologias Livres e Cooperativismo de Plataforma, organizado pelo laboratório DigiLabour. Fomos estudar o tema proposto e percebemos que a nomenclatura, assim apresentada, buscava definir coletivos autogestionários (cooperativas) que se organizavam a partir de plataformas digitais de propriedade compartilhada. Um conceito que incluía, de certa maneira, a Cooperativa EITA como um exemplo possível de cooperativa de plataforma. Esta definição ainda é controversa e não intencionamos, aqui, avançar em uma elaboração sobre o assunto. Neste mesmo período, a EITA foi mapeada pela Rede Conecta (atual Radar Coop) como uma cooperativa do campo de tecnologia, inovação e de plataforma. Algumas pessoas da cooperativa seguiram participando de debates sobre o tema, como o Ciclo de Conferências sobre Tecnologias da Informação e Comunicação na Construção do Cooperativismo Solidário de Plataforma, organizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Tecnologia para Desenvolvimento Social (NIDES-UFRJ) e a conferência Owining the Future (Domine seu futuro), realizado no Museu do Amanhã, cidade do Rio de Janeiro, e organizado pelo Consórcio de Cooperativismo de Plataforma (PCC) e pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). Ainda que pontuais, as interações com o tema Cooperativismo de Plataforma seguiram inserindo a EITA nessa construção, que discute elementos que vão desde o desejo e o incentivo para a formação de coletivos autogestionários, passando pelas problemáticas do debate a cerca da soberania digital e da propriedade compartilhada dos meios digitais de produção (e serviço), a ser gerida pelas próprias trabalhadoras e trabalhadores. Por fim, em julho de 2023 recebemos um convite para participar e compartilhar nossa experiência, sobre o cooperativismo o uso de tecnologias livres, na oficina ‘Cooperativismo de Plataforma: Quais as Políticas Públicas Possíveis. Promovido pela Secretaria Nacional de Economia solidária (SENAES) em conjunto com o laboratório de pesquisa DigiLabour, a Fundação Rosa Luxemburgo e o Observatório do Cooperativismo de Plataforma. O evento aconteceu em Brasília e contou com a participação de diferentes iniciativas da economia solidária e de representantes de movimentos sociais. Nas atividades, foram debatidas perspectivas para a criação de políticas públicas intersetoriais. Confira o relatório elaborado pela Fundação Rosa Luxemburgo, com a relação de palestrantes e links para visualização das apresentações. O encontro O evento aconteceu na Escola Nacional de Administração Pública, em Brasília, nos dias 19 e 20 de julho de 2023. O convite para a participação da cooperativa foi enviado, para Camilla de Godoi (designer e sócia-cooperada desde 2020) pela Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Estamos acompanhamento os desdobramentos da pauta e decidimos fazer esse relato para compartilhar as trocas realizadas no âmbito da nossa participação. Foto: Fundação Rosa Luxemburgo Entre trabalhadoras e trabalhadores, pesquisadoras e pesquisadores de diferentes universidades, movimentos sociais e integrantes da gestão pública, estivemos presentes para apresentar a experiência e os desafios da EITA como uma cooperativa de trabalho que desenvolve tecnologia livres em diálogo com as demandas de diferentes organizações populares da sociedade civil. Dividimos o espaço com representantes de diferentes coletivos:  Aline OS, da Señoritas Courier; Gabriel Simeone, do Núcleo de Tecnologia do MTST; Nilce de Pontes Pereira dos Santos, do Quilombos do Vale do Ribeira; e Cinthia Mendonça, do Caipira Tech Lab. Todas/os, à sua maneira, compartilharam suas experiências coletivas, buscando pontuar a complexidade do tema diante das diferentes realidades inseridas no contexto da Economia Solidária. Dentre os grupos presentes na primeira mesa de debate, a EITA era, naquele momento, o único juridicamente formalizado como uma Cooperativa de Trabalho. Nesse sentido, focamos em apresentar as características da nossa prática autogestionária, sem deixar de reforçar a falta de incentivo político e financeiro que o atual arcabouço tributário oferece para a formalização legal de cooperativas. A mesa seguinte foi marcada por relato de representantes de movimentos e coletivos que atuam na luta pelos direitos de trabalhadoras e trabalhadores: Luciana Mendonça, do Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos; Pablo Bandeira, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos; Márcio Guimarães, da Comobi; Vivian Alves Pacheco, do Programa Coopera Araraquara; e Abel Santos, da Associação dos Trabalhadores por Aplicativos e Motociclistas do Distrito Federal e Entorno. Os depoimentos enfatizaram os desafios econômicos e sociais enfrentados historicamente pela classe de trabalhadores e trabalhadoras informais do país. Na mesa, surgiram críticas sobre a complexidade pela qual o assunto vem sendo abordado, por meio de uma perspectiva tecnológica que parece reduzir os problemas da precarização do trabalho pela ocorrência da plataformização. Fechando o primeiro dia de apresentações, Joyce Souza, da Universidade Federal do ABC, Laila Almeida, do coletivo MariaLab e Natália Lobo, da Sempreviva Organização Feminista (SOF), reforçaram as problemáticas da atual infraestrutura digital utilizada tanto pelo governo quanto por instituições de pesquisa e sociedade civil. Ao abordarem o assunto da soberania digital e cultura livre, as apresentadoras enfatizaram a importância da construção de infraestruturas próprias, atreladas às questões de organização e autogestão, para que seja possível a criação de plataformas democráticas e de domínio de trabalhadoras e trabalhadores. A retomada do debate sobre o Marco Civil da Internet, com a devida regulamentação de plataformas mantidas por grandes empresas (Big Techs), foi um dos assuntos tratados. As apresentadoras explicaram como o uso de plataformas estrangeiras e o armazenamento de dados em países hegemônicos, entregam, para esses países, a capacidade de monitoramento e análise de contextos do território nacional. A capitalização dessas informações fazem parte de estudos sobre colonialismo de dados. O segundo dia iniciou com a apresentação de Rafael Grohmann, um dos responsáveis pela idealização do encontro e pesquisador no Observatório do Cooperativismo de Plataforma. Com a oficina “Imaginar Tecnologias Alternativas”, Grohmann apresentou experiências e iniciativas de outros países, como a Asoclim, uma cooperativa de trabalhadoras domésticas do Equador, a norte americana Driver‘s Seat Cooperative, de entregadores e entregadoras, a Federação Argentina de Cooperativas de Trabalho em Tecnologia, Inovação e Conhecimento (FACTTIC), entre outros coletivos e iniciativas. De acordo com Grohmann, o Brasil é um dos países do mundo que mais tem discutido o tema da plataformização do trabalho. O pesquisador acredita que, com a elaboração de políticas públicas voltadas ao impulsionamento de cooperativas, federações e infraestruturas compartilhadas, o país assumiria um protagonismo no assunto. Em termos de princípios e desafios para o cooperativismo, Grohmann pontuou que “as reflexões não apresentam nada de novo”, reforçando a importância de pensar soluções que vão além de um mero tecnofeticismo. Victor Marques, da Universidade Federal do ABC, foi mediador da apresentação e relembrou a importância do cooperativismo como uma ferramenta de luta dos(as) trabalhadores(as). Paul Singer foi lembrando como referência para os debates de um encontro sediado pela Secretaria de Economia Solidária. Em seguida, grupos de trabalho foram formados para a realização da plenária de debates e de propostas para encaminhamentos. Os grupos reuniam representantes dos coletivos, movimentos e entidades do governo presentes.  Iniciamos com a fala de Joana Varon, da Coding Rights, que apresentou aos presentes a Cartografia da Internet e ficou também responsável pela facilitação da primeira atividade, com o Oráculo de Tecnologias Transfeministas. A dinâmica se baseava em um jogo de cartas que apresentava Situações, Territórios e Objetos a serem combinados com Valores como Solidariedade, Autonomia, Interoperabilidade e Interseccionalidade, entre outros, para a criação de uma nova tecnologia. Os resultados não se aplicavam diretamente ao assunto discutido, mas os novos conceitos, apresentados pelas cartas, contribuíram para um diálogo divertido e interessante entre as pessoas presentes. Foto: Camilla de Godoi, acervo pessoal. Na sequência, foram mantidos os grupos de trabalho com a proposta de gerar ideias para um “programa de cooperativas solidárias de plataformas”. Desta vez, foram formuladas diversas recomendações e propostas objetivas para políticas públicas de incentivo ao cooperativismo e à soberania digital, elementos-chave que atravessam o debate sobre o trabalho por plataformas.  Encaminhamentos e contribuições das participantes Socializar as contribuições e encaminhamentos deixados pelo grupo de trabalho presente no evento é de grande importância para um acompanhamento da pauta pela sociedade civil.  Uma recomendação importante foi a criação de um comitê gestor misto, incluindo representantes do governo e da sociedade civil, para a definição de uma política de cooperativismo de plataforma. Além desta, sugestões de diversas naturezas foram trazidas, como a isenção tributária para a contratação de cooperativas, a priorização na política de compras públicas e a redução da carga tributárias para cooperativas, considerando seus diferentes tamanhos e estágios de desenvolvimento). Foi pontuada a necessidade do incentivo ao cooperativismo solidário e, ainda, a retomada do apoio à incubadoras de cooperativas populares para a prestação de assessorias administrativa e contábil. Em termos de legislação, também surgiram a importância da aprovação do PL 6606/19, a regulamentação dos bancos comunitários de desenvolvimento e a cobrança de tributos para grandes empresas de tecnologias (também chamadas de Big Techs), como mecanismo para levantamento de fundos para a realização dos programas de incentivo. Recomendações relacionas à reconstrução da Política Nacional de Economia Solidária também apareceram.  Com relação ao tema da tecnologia e soberania de dados, foram propostas a criação de centros de tecnologia e capacitação técnica, políticas para a inclusão da população jovem e rural no desenvolvimento de tecnologia, incentivos e/ou isenção de impostos para o desenvolvimento de infraestruturas comunitárias de armazenamento de dados, o uso e o desenvolvimento de softwares livres pelo governo, entre outras propostas. O incentivo às atividades de extensão para a cooperação entre universidades e grupos da sociedade civil, para o desenvolvimento de infraestrutura e capacitação técnica, também apareceu entre as propostas. Sugestões mais específicas com relação ao trabalho de entregadoras e entregadores de aplicativo também não ficaram de fora das recomendações. “Uso de espaços públicos como pontos de apoio a entregadores e entregadoras”, “criação de leis que proíbam o desligamento do trabalhador de aplicativo sem uma justificativa prévia”, “transparência” e “humanização das interfaces” estiveram entre os elementos colocados. A sistematização das propostas evidenciava o volume e a qualidade das recomendações feitas pelas pessoas presentes. Para fechar o evento, Gilberto de Carvalho, atual secretário de Economia Popular e Solidária, destacou a importância desse tema para a secretaria e para o atual governo, chegando a mencionar que negociações tripartites vem sendo feitas com as empresas de aplicativos. Desdobramentos da oficina Passado alguns meses desde a nossa participação no evento, fomos atrás de algumas das pessoas presentes para acompanhar os desdobramentos da oficina. O ano de 2023 foi o início de um novo governo em nível federal. Considerando que a gestão anterior reduziu e desmontou as ações voltadas para a economia solidária e para o software livre em diálogo com os movimentos sociais, a realização da oficina foi um passo importante para coletar propostas e colocar em diálogo os vários setores do governo federal com as diversas iniciativas de trabalhadoras e trabalhadores, movimentos populares, coletivos autogestionários e pesquisadoras/es da pauta. Como não recebemos nenhuma atualização ou parecer com relação às recomendações apresentadas pelos grupos de trabalho, entramos em contato com servidores da SENAES e do MTE para buscar novidades sobre o assunto. No relatório elaborado, percebemos que foram destacadas poucas, ou no mínimo, generalizadas, propostas dentre as centenas de recomendações apresentadas na atividade. A nível do governo, ainda não identificamos desdobramentos a partir dos encaminhamentos deixados. A última notícia que tivemos foi de que Carlos Grana é o novo responsável coordenação da pauta dentro da diretoria da SENAES. Vale salientar que, antes da oficina, foi reconhecido um Grupo de Trabalho para propor regulamentação de serviços em plataformas digitais onde possivelmente o tema do Cooperativismo de Plataforma também está colocado, uma vez que há participação ativa do Secretário Nacional de Economia Solidária, de frentes de trabalhadoras e trabalhadores e a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB).  Sobre a OCB, é importante ressaltarmos que o movimento de economia solidária questiona a unicidade de filiação exigida pela Lei Geral de Cooperativas. Há anos, está em tramitação no Congresso projeto de lei para alteração do artigo art. 107 da Lei nº 5.764/1971, além de outras alterações. No entanto, o governo federal no início de 2023 divulgou o Parecer 00002/2023/DECOR/CGU/AGU que exige a filiação das cooperativas à OCB como etapa para contratação pelo governo federal. Na prática, há anos que, ao se formalizar uma cooperativa, esse vínculo e filiação não é exigido pelas Juntas Comerciais. O parecer é uma limitação para a relação econômica entre o governo federal e as cooperativas, seja para o desenvolvimento de plataformas ou não. Mesmo com todas tentativas de denúncia junto ao governo, o parecer segue ativo. Um desdobramento da oficina foi a dissertação de mestrado Resgate ao espírito de Palmares: do cooperativismo de plataforma às organizações de propriedade das trabalhadoras e trabalhadores como forma de resistência, de Emanuele de Fátima Rubim Costa Silva. A pesquisa analisou as iniciativas coletivas que estiveram na oficina e concluiu que coletivos, como a EITA, tem potencial de promover trabalho protegido, viabilizando melhores condições de trabalho, amenizando a superexploração laboral, sem romantizar seu papel” (SILVA, 2023, apresentação oral). Durante sua defesa de mestrado, a pesquisadora ainda enfatizou que a única iniciativa presente na oficina que relatou garantir os direitos previstos na Lei de Cooperativas de Trabalho é a EITA. Para além destes direitos, temos exercitado ampliar os direitos que acessamos a partir de nosso trabalho, o que é um desafio e um bom debate para construção de políticas públicas. Um acontecimento que merece ser celebrado foi a formalização jurídica da Señoritas Courier como uma cooperativa, notícia recém anunciada pelo coletivo. Agora o grupo, formado por mulheres cis e pessoas trans e que vem que oferecendo o serviço de cicloentregas já há 4 anos se une também às nossas lutas pela ampliação de políticas de incentivo a um cooperativismo solidário. Outra novidade foi a publicação do livro Trabalho por Plataformas Digitais, de Rafael Grohmaan, que reúne suas pesquisas sobre cooperativismo de plataforma e oferece uma introdução crítica a este movimento que vem se organizando no país. Seguimos acompanhando os desdobramentos da pauta junto aos governos estaduais e federal. De olho, principalmente, nos processos participativos que vem sendo elaborados com as Conferências Livres em Tecnologia Social, Economia Solidária e Conferências Temáticas em Tecnologia e em Ciência, Tecnologia e Inovação. As reuniões estão acontecendo em âmbito local como preparatória para as Conferências Nacionais – a acontecer, em maioria, no primeiro semestre do ano de 2024. Em paralelo à isso, seguimos. Com as nossas atividades, exercitando a ampliação dos direitos que acessamos a partir de nosso próprio trabalho, o que é um desafio e um bom debate para a construção de políticas públicas de apoio ao cooperativismo no país.  [...] Continue lendo...
22 de fevereiro de 2024A EITA começou suas atividades em maio de 2011 como um coletivo informal e concluiu a formalização como cooperativa em 2014. Quando começamos a intensificar nossas reuniões online para nos organizarmos e também com a chegada dos primeiros trabalhos, se apresentou a necessidade de garantir os registros das dedicações das pessoas e da gestão de recursos financeiros. Neste primeiro momento, criamos uma planilha online compartilhada para fazer anotações e, assim, todas integrantes poderem acompanhar os trabalhos, recursos recebidos e destinados, como para as retiradas e os créditos1. No Encontro Carnal, uma Assembleia Especial, em 2019, decidimos criar um sistema que ajudasse na gestão dos recursos e registros. Um sistema em software livre e que gerasse gráficos e outras formas de visualização do nosso fluxo de trabalho. O sistema ganhou o nome de Bambirra, em homenagem economista marxista Vânia Bambirra, por sugestão do ex-cooperado Bernardo Vaz. Nas duas fases acima, seja com planilha ou com o Bambirra, a prática que se buscou foi de que todas integrantes da EITA tivessem acesso às informações gerais dos aspectos financeiros. No entanto, percebemos que no dia a dia, cada integrante foca mais diretamente nas suas atividades diretas. Sendo necessário ter momentos para olharmos coletivamente para os dados financeiros da cooperativa. Durante um tempo, fizemos estas análises nos Encontros Carnais e Espirituais2, que são as nossas Assembleias semestrais, e em reuniões semanais em momentos mais críticos. A partir de 2023, a primeira semanal de cada mês é dedicada para a análise coletiva das informações financeiras, além de que em todas Assembleias há a pauta Administrativo/Financeira. No cotidiano, duas pessoas da cooperativa ficam mais atentas ao andamento financeiro, conciliando com outras atividades. As rotinas administrativas estão sob responsabilidade de uma destas pessoas, que garante o diálogo com a assessoria contábil e os procedimentos necessários para a regularidade fiscal. Tempos As rotinas administrativas envolvem emissão de notas fiscais, emissão e pagamento de guias de tributos, envio de informações para assessoria contábil e pagamento de retiradas, prestadoras de serviço parceiras, taxas e gestão de empréstimos ou fundos. É importante estar atenta aos tempos para que cada pagamento ou informação ocorra dentro da agenda dos órgãos de governo. E, os pagamentos internos à cooperativa também aconteçam com brevidade, uma vez que metade das cooperadas vivem deste trabalho e contam com a retirada para cobrir as despesas da sua vida. Abaixo uma visão geral de rotinas administrativas. InformaçõesPagamentosAntes da primeira reunião semanal de cada mêsRevisar informações financeiras e administrativas para apresentar na reunião semanalAté dia 05Gerar Guia do Imposto Sobre Serviço (ISS)Emitir notas fiscais de pagamento mensal ou parceladoPagar as retiradas de cooperadas e serviços de terceirasAté dia 10Enviar dados sobre retiradas, movimentação financeira e comprovantes da movimentação para Assessoria ContábilPagar guia do ISS de Caldas e honorários da Assessoria Contábil Pagar fatura do cartão de crédito e outras despesasAté dia 20Pagar DARF do INSS, IR e demais tributos federaisAnualRevisão do BalanceteAta da Assembleia Geral Ordinária (AGO): até 31/03Emissão do Livro DiárioPagar DIRF*, ECF e Alvará MunicipalPagar taxas na Junta Comercial: registro Ata AGO e do Livro Diário Mais que uma nota fiscal Vale destacar alguns aspectos relativos à emissão de notas fiscais. Quando as notas são emitidas pela cooperativa, elas marcam o tempo de um trabalho. Geralmente, quando o contrato de trabalho com cliente é assinado, é feito o primeiro pagamento. Os próximos pagamentos estão relacionados com entregas durante o trabalho ou com sua conclusão. Há também trabalhos que pagam parcelado, independente de uma entrega. Na EITA, também temos a contratação da Solução RIOS, que pode ser paga com mensalidades. Quando uma cooperativa de trabalho emite uma nota fiscal, deve demonstrar os tributos federais que serão retidos com clientes para que, posteriormente, emitam e paguem as respectivas DARFs. Os percentuais dos tributos federais são: 1,5% de Imposto de Renda: somente quando o valor é superior a R$ 10,00 para um mesmo cliente dentro do mês, 1% de Contribuição Social sobre Lucro Líquido, 0,65% para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público e 3% para a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social Se uma nota fiscal é de um valor recebido pela cooperativa de um trabalho realizado e pago por uma organização exterior, deve-se emitir a nota com o valor que entrou na conta bancária. A assessoria contábil irá emitir a DARF de tributos federais (IRPJ e CSLL) a serem pagos por este faturamento. Quando recebemos uma nota fiscal de algum serviço que contratamos, é necessário verificar se tem tributos que devem ser retidos. Se isto ocorre, precisamos enviar a nota para a assessoria contábil considerar os tributos na DARF mensal. Outras atividades importantes As rotinas administrativas envolvem outros procedimentos e documentos relacionados aos trabalhos que realizamos. Contratos Os contratos com clientes, são documentos muito importantes, pois registram os acordos entre a cooperativa e quem a contrata. Logo no início, fazíamos contrato quando a contratante exigia. Em outros trabalhos, nos orientávamos pelos acordos verbais que estabelecíamos. Até que chegou 2022 e a EITA contratou um serviço que foi pago e não realizado. Foi uma situação delicada, envolvendo relações de proximidade e que a falta de um contrato nos dificultou exigir a devolução de parte do pagamento, uma vez que o trabalho não foi concluído. Neste período já tínhamos uma rotina de fazer contratos com quem nos contrata mas não nos atentamos em ter contrato também com quem faz algum serviço para a EITA. Num contrato é importante que o objeto e sua entrega estejam bem explícitos. Outros aspectos importantes: dados corretos da contratante, forma de pagamento e se há entregas relacionadas; destacar que a contratante deve reter os valores dos tributos federais informados na nota fiscal para posterior emissão e pagamento da DARF; ter acordo sobre rescisão ou o que ocorre caso não aconteça a entrega contratada. No caso da EITA, também atentamos para que esteja expresso que o sistema a ser desenvolvido é em software livre, e que seu código não está coberto pela legislação de propriedade intelectual. Além de garantir a confidencialidade em relação à informações acessadas na relação com cliente e de também indicar os elementos da Lei Geral de Proteção de Dados3 que estão relacionados com o trabalho. No Encontro Carnal de fins de 2023, percebemos a importância de termos um tipo de contrato que seja orientado para o desenvolvimento ágil. Identificamos que os contratos que até o momento estabelecemos estão baseados em entregas que consideram um escopo bem definido no início do trabalho. Este não é caso do desenvolvimento de soluções que exigem uma descoberta e inovações a serem criadas durante o trabalho. Neste encontro, pudemos revisar alguns contratos nesta perspectiva e encaminhar para termos nosso próprio modelo. Cadastros Na vida da cooperativa, há alguns cadastros necessários. Um exemplo, são cadastros junto a prefeituras onde prestamos serviços para que estejamos isentas de ISS. Então, ao enviar um orçamento é necessário saber de onde é a organização contratante para logo buscar se haverá incidência de ISS na fonte. Algumas cidades fazem cadastro para isenção, pode acontecer do cadastro não ser aprovado e outras não tem o dispositivo de isenção. Nos dois últimos casos, é preciso considerar este custo na elaboração da proposta de trabalho. Sobre tributos como o ISS, PIS e COFINS, vale acompanhar as mudanças oriundas da Reforma Administrativa que prevê alterações a partir de 20264. Outros cadastros estão relacionados com órgãos de governo ou organizações que exigem tais instrumentos para possíveis contratações. Exemplos são o Tranferegov.br e SICAF, do governo federal, o Petronect da Petrobras. Mais debate político Um outro tema refere-se à uma exigência da Lei Geral de Cooperativas5 de que as cooperativas se associem à Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Uma exigência que está em desuso, visto que há tempos nem as Juntas Comerciais incluem este item na análise de formalização de uma cooperativa. No Congresso corre uma proposta de mudança desta lei6 e o movimento de economia solidária defende a liberdade de associação, como prevê o inciso XVII do Artigo 5º da Constituição Federal. No entanto, em 2023, a Advocacia Geral da União expediu o Parecer n.0002/2023/DECOR/CGU/AGU7 que exige tal filiação para que o governo faça contratação de cooperativas. Enfatizamos a contraditoriedade deste Parecer, que no caso da EITA, já nos fez perder um trabalho por causa desta exigência. Como podemos ver, as rotinas tem mudanças trazidas por alterações de legislações ou novas normativas. Então, cabe à cooperativa, acompanhar os debates políticos e também ter uma boa assessoria contábil. Cuidar e avançar O estabelecimento de uma dinâmica de encontros mensais com foco nas questões administrativo-financeiras da cooperativa tem sido uma boa prática na EITA. Ao mesmo tempo, são importante os encontros rotineiros entre as pessoas que cuidam desta tarefa. Por vezes, é no encontro entre essas duas pessoas que surgem as dúvidas ou propostas a serem dialogadas por toda a cooperativa. Os encontros desta frente de trabalho também garantem que os registros estejam sempre em dia, pois alguém está olhando para eles toda semana. Esta partilha foi pauta de uma reunião semanal da EITA em 2023. 1 Os créditos foram uma forma de registrar o trabalho realizado pelas integrantes da EITA, ainda que não tivéssemos recursos para pagar. Era o início de tudo e os créditos foram o nosso investimento inicial na forma de trabalho. Aos poucos e tempos depois, conseguimos pagar os créditos para as pessoas que trabalharam nos primeiros anos da EITA. 2 As assembleias presenciais, que ocorrem a cada semestre, chamamos de Encontro Carnais. As Assembleias que ocorreram durante a pandemia de Covid19, foram chamadas de Encontros Espirituais, pois queríamos que fossem presenciais mas a restrição de circulação não permitia. 3 LGPD: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm 4 Ver sobre mudanças tributárias e os novos CBS e IBS: https://legis.senado.leg.br/norma/37959796/publicacao/37963893 5 Lei Geral das Cooperativas: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5764.htm 6 Sobre mudanças na Lei Geral das Cooperativas: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/05/29/mudanca-na-lei-do-cooperativismo-e-aprovada-na-comissao-de-agricultura 7 Acesso o Parecer da AGU: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/comunicados/2023/Comunicado04.2023parecer0002.pdf [...] Continue lendo...